A educação através de Soraya Smaili
“Meus pais vieram do Líbano em busca de uma vida melhor”, assim começa o relato de Soraya Soubhi Smaili, eleita, pela segunda vez, reitora da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Soraya nasceu numa manhã de 15 de novembro de 1962, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. Fazia um calor habitual, nenhuma das flores do jardim ousava se movimentar, parecia até que estavam esperando a chegada de um novo ser que habitaria a casa na Rua Luiz Gama, região central. Nem mesmo os silvos do vento ousavam barulhar. Até o momento em que os pássaros que espiavam por entre as copas das árvores voaram e pousaram sob o portão, a fim de observar o jovem casal que se aproximava com sua recém-nascida filha, Soraya Soubhi Smaili.
Soubhi Mohamad Smaili e Malake Salim Houchaimi Smaili haviam chegado ao Brasil há pouco. Ele, à procura de novas oportunidades em terras estrangeiras e ela, em busca de um encontro com familiares. Ambos saíram de seu país de origem, o Líbano, num momento de dor. A segunda Grande Guerra, que devastara o mundo com uma imensidão de sofrimento e um sentimento de medo, havia acabado. Muitos libaneses imigraram para outras terras, buscando uma nova vida.
“Meu pai estava bem no Líbano, tinha um comércio, mas fez questão de vir para o Brasil em busca de novas oportunidades. Lá, o país estava no pós-guerra, ele achou que aqui teria mais chances de crescer”, ressaltou Soraya.
Vindo de uma família tradicional, dono de um pequeno comércio local, ele vendia e ajudava as pessoas que passavam necessidades. Na década de 1950, o Líbano destacava-se em relação ao resto do Oriente Médio, ocupando, na região, um lugar essencial como centro comercial e financeiro.
Soubhi e Malake se conheceram em terras brasileiras, se casaram e conseguiram comprar uma pequena casa na região de Guarulhos. Era 1962 quando a primeira filha do casal veio ao mundo e, desde o momento em que chegou, todos sabiam que ela seria especial.
Desde muito cedo, a pequena já trocava as bonecas pelas revistas científicas. A singela estante de madeira ficava ao lado da cama e, aos poucos, foi tomada por uma coleção de revistas, livros e tudo que remetia à ciência. “É curioso, mas desde pequena eu gostava muito de ciência. Lembro de pedir para meus pais comprarem na banca fascículos de uma coleção sobre a vida dos cientistas. Eu adorava ler aquilo e me imaginar trabalhando num laboratório”, conta.
Aos 9, tomada de sonhos, Soraya ganhou o presente que mais marcou sua infância: um microscópio de brinquedo. Tirar o microscópio de Soraya era impensável. O brinquedo continha duas lâminas que permitiam a observação da histologia dos insetos e isso fazia Soraya se entreter e se divertir.
Durante nossa conversa, as memórias tomam conta de Soraya e, lembrar da infância, é reviver como ela construía seu pequeno mundo por meio da fascinação pela ciência. “Sempre gostei muito de estudar, conversar e aprender com muita curiosidade”, explica. Até hoje, a farmacologista utiliza microscópios e considera o principal equipamento para a realização de suas pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal de São Paulo.
Passada a época da infância, chegou a tão esperada hora do vestibular, Soraya e sua família não tinham dúvidas de que ela ingressaria em um curso que a permitisse trabalhar diariamente com a ciência. “O cientista pode dar vazão à sua curiosidade por meio da pesquisa e havia muitas perguntas que eu queria responder na época do vestibular”.
Então, em 1982, Smaili iniciou seus estudos na Universidade de São Paulo, no campus de Ribeirão Preto, para fazer o curso de Ciências Farmacêuticas. Entretanto, desde os primeiros semestres, ela sabia que não se tornaria uma farmacêutica, pois era a vontade de trabalhar com pesquisas que falava mais alto. “No segundo ano da faculdade, eu já sabia que não queria ser farmacêutica propriamente dito, a não ser que fosse em farmácia de manipulação”, explica. Dois anos depois, partiu para a iniciação científica e, como tinha fascínio pela parte laboratorial, especializou-se em Farmácia-Bioquímica.
Em 1985, após concluir sua primeira graduação, Smaili não perdeu tempo em continuar se dedicando aos estudos e à ciência. Realizou mestrado e doutorado em Farmacologia pela Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e, logo após, foi lecionar no curso de medicina na Universidade São Francisco, em Bragança Paulista.
Em 1992, Smaili se tornou docente na Unifesp em regime de dedicação exclusiva e se inscreveu no pós-doutorado na Thomas Jefferson University, no estado da Philadelphia, nos Estados Unidos. Um ano depois, ingressou no segundo pós-doutorado no National Institutes of Health (NIH), onde permaneceu durante dois anos, também nos Estados Unidos.
De volta ao Brasil, ela permaneceu por seis anos como docente para, a partir de 2006, tornar-se coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da Unifesp, onde permaneceu até 2012. Soraya só deixou o cargo de coordenadora de pós-graduação porque foi eleita reitora da instituição no mesmo ano, mas continuou conciliando o cargo com a coordenação do Laboratório de Sinalização de Cálcio e Morte Celular e o Laboratório Multiusuários de Microscopia Confocal da EPM/Unifesp.
A trajetória da farmacologista é bem ampla. Ela também fez parte do Conselho Diretor do Laboratório de Experimentação Animal do Instituto Nacional de Farmacologia e é diretora da Sociedade Internacional de Morte Celular, além de ser idealizadora do Instituto da Cultura Árabe, o ICArabe.
Além do reconhecimento pela sua atuação na área de ciências, Soraya é uma figura feminina importante para a cultura árabe. Enquanto trabalhava no ICArabe, Smaili administrava palestras sobre o mundo muçulmano, onde defendia as questões de gênero e o tema das opressões à mulher árabe, entre outras atividades. “Difundir a cultura árabe, mesmo hoje fora da administração do ICArabe, para mim, é uma história de vida. Estarei sempre disposta a falar sobre este assunto e sobre a contribuição milenar dos árabes, inclusive para a ciência, para o mundo que nós conhecemos hoje”.
As questões culturais são muito bem abordadas por ela, que está sempre à procura de novos projetos para colocar a cultura árabe em diálogo com a brasileira. Com esse objetivo, idealizou, em 2005, a Mostra Mundo Árabe de Cinema, que é um evento, que seguiu e continuou, muito importante tanto nacional quanto internacionalmente. “Enquanto estava lá, o projeto foi uma emoção muito grande para mim, porque, como disse, difundir a cultura árabe é muito gratificante. Então esse projeto foi extraordinário”. O projeto cresceu e, mesmo ela saindo da diretoria do ICArabe, continua ajudando na divulgação da cultura árabe e incentiva a desconstrução de estereótipos e preconceitos.
Além de todos os eventos culturais para a difusão da cultura em que ela já participou, também esteve presente em uma exposição sobre o mundo árabe na Caixa Cultural, intitulada “Imagens e paisagens do mundo árabe”, com curadoria de Aziz Nacib Ab’Saber, em 2008.
Recentemente, Soraya foi eleita pela segunda vez reitora da Unifesp e mantém muitos sonhos e projetos para o futuro. A menina que era fascinada pelos fascículos de ciência que a mãe comprava, cresceu e guarda muito mais surpresas boas por aí.